quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Quatro

Confesso que, coberto de ignorância sobre a obra de Mikio Naruse (1905-1969), foi com estranheza que registei a expressão que ilustra o cartaz do ciclo dedicado ao cineasta japonês na Cinemateca Portuguesa (Finalmente Naruse!, justamente o título do mesmo). Soou-me a Ípsilon. Sacudi o azedume (dirão uns que devia sacudir mais e com mais força, outros que devia ir sacudir-me da ponte 25 de Abril abaixo) e lá larguei os quatrocentos paus (gosto de falar em contos, dizia-me o Lebre, enquanto passeávamos sob as arcadas do Terreiro do Paço).
O meu fraco mas esforçado francês vai permitindo umas boas surpresas; hoje deixou-me com vontade de rever um filme cuja legendagem, há não muito tempo atrás, teria provocado a minha saída da sala, derrotado pela incompreensão e frustrado por ter ficado afastado da palavra do filme, belíssimo, rigorosíssimo, de uma sensibilidade que parece tão distante da vida contemporânea quanto o Japão rural está do tigre económico que a segunda metade do século passado revelou. A rever, imperiosamente, porque se trata de um tamanho banho de ética cinematográfica que me senti nu. Envergonhado. Escrevo sem conhecer os meandros que rodearam esta produção da Toho (apresentada como major japonesa pela folha de sala, da autoria de António Rodrigues) e tão pouco tive a honra de desfrutar qualquer outra obra de Naruse. Assim me fico, humildemente.
Mas lá está o cartaz, a exclamação do anúncio que soa, agora, a um envergonhado desabafo, humano na presunção e inopinado como outras discretas fraquezas. Quando se navega com as velas enfunadas pelos ventos dos dias que correm, parece que no melhor pano cai a nódoa.

Iwashigumo (Nuvens de Verão). Mikio Naruse, 1958