quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

"Bairro Alto", 23.30 de Terça-Feira, RTP2

O cinema não é para a posteridade (...)

Se a afirmação de António Pedro Vasconcelos já é estúpida por si só, mais se torna quando escutada após chegar de um visionamento de um filme do António Campos.
Mas o prolífico cineasta não deixa os créditos por mãos alheias.

Fui para Paris para ver os clássicos, para ver de onde vinha o cinema (...)

Está mesmo a pedi-las. Uma daquelas do João César, claro. Caso não saibam, o bom do Vasconcelos foi Secretário Nacional do Audiovisual, nos tempos em que Cavaco era menos dado a intervenções promotoras da "sã convivência constitucional", pelo menos daquelas que não envolviam canhões de água, cassetetes e fardas azuis.

O filme do Vasconcelos já não vejo. Verei o Vasconcelos com muito prazer quando ele se apresentar como cineasta. Quando se apresentar como secretário do Audiovisual, (...) acho que não tenho interesse nenhum em ver, porque o cinema pode ser divertido mas não é nenhuma brincadeira.
(...)
O audiovisual é aquela coisa que ninguém sabe o que é, nem o próprio secretário. O secretário sabe uma coisa: é que, para que aquilo funcione (sem ter de ir buscar dinheiro do IPC), precisa de uma subvenção da ordem dos quatro milhões de contos, o que é bom para ele. Mas suponho que o Cavaco não tem essa massa. Gostaria de ter, mas não tem, nem vai ter, porque vamos todos, agora, ter de apertar um bocadinho o cinto. Como andámos, durante os últimos anos, a viver à custa dos fundos comunitários, agora é assim. Porque neste país não se cria riqueza, parasitam-se os fundos comunitários. Agora vou-me rir, mas há seguramente muita gente que não se vai rir: os mesmos, os do costume, quando tiverem que apertar o cintinho. Porque, como é evidente, isto vai recair sobre a maralha - a população portuguesa. E sempre mais sobre uns do que sobre outros. A história é conhecida. Ora o Vasconcelos - pessoa que, aliás, eu muito estimo - tem um sonho na vida: ganhar muito dinheiro. Género: "como é que a gente vai engenhocar uma coisa para eu me vestir de alto a baixo nos Versace, nos Pollini, nos Armani?" Isto é: "Como é que eu vou comprar as minhas brutas fatiotas e vestir-me como nenhum italiano se veste, a peso de ouro? Como é que eu vou andar com roupinhas na ordem dos milhares de contos e não só roupinhas...?" Então, ele teve a ideia do Audiovisual. Mas como o Cavaco gostava de dar, mas não vai poder dar-lhe a massa, a pergunta que eu faço é esta: «O Vasconcelos não ganharia mais como pessoa honesta? Com um bocadinho de trabalho, não seria mais rentável?»
Entrevista a José Manuel Rodrigues da Silva, in Jornal de Letras, 22 de Setembro de 1992.

Era para truncar esta última resposta, mas baqueei quando me dei conta que isto foi dito e escrito há dezassete anos. Como é que ninguém meteu os pés à parede, entretanto, é coisa que não consigo entender, ou por outra, tenho medo de perceber. Porque no dia em que as chagas das feridas que a corja dos Dias Loureiro, Oliveira e Costa e afins abriram para chupar o sangue deste país começarem a gangrenar e a obrigar à consequente amputação dos falidos membros desta tragicomédia, vai escorrer sangue pelas vielas de S. Bento.

Não contem é comigo para carpideira.