quarta-feira, 18 de março de 2009

Mais uma, menos uma

Estoira pólvora nas Olaias, mais uma vez, e a televisão não diz nada. É uma vergonha. Volta, Santana, estás perdoado.

domingo, 8 de março de 2009

Estertor de uma alma danada, 1

Nasci em Coimbra, não por acaso, mas por crença profunda da minha mãe na lendária competência dos médicos da cidade; cumprida a formalidade estava a caminho - e a minha mãe de regresso - a Penamacor, uma vila recôndita da Beira-Baixa. Numa das suas freguesias acabei por ser registado, e foi esta a primeira farsa da minha vida: preso burocraticamente a uma aldeia que não me diz rigorosamente nada e de onde toda a gente foge assim que tem meia oportunidade.
Pela Beira-Baixa a minha família foi ficando. Entretanto nasce a minha irmã, em Coimbra, claro. Já a viver em Castelo Branco, o primeiro sabor a urbanidade chegava através das longas e largas ruas, iluminadas por altos candeeiros que - consta - me faziam rir à gargalhada, mas principalmente por graça da assoalhada nas alturas de um nono andar onde, atrás de um sofá e afogado em bonecos, tive o meu primeiro quarto.
Como se de urbanidade já bastasse, a família concilia a compra de um Mercedes-Benz 200D de 1975 verde-claro com a mudança para o último subúrbio de Lisboa, a Norte: Entroncamento. Durante cinco anos vivi em casa dos meus avós. O meu avô acabado de se reformar do ofício de escriturário da CP e discreto conhecedor da vida nocturna, via crescer a barriga em tardes de tourada da TVE. A minha avó, presa desde tenra idade à cozinha e aos afazeres domésticos, com o pior ainda por vir pelas desgraças de uma tiróide demasiado ávida de cálcio que a havia de reduzir a uns meros metro e quarenta, primeiro, e de AVC, depois, mas este em corpo alheio e talvez pior por isso - a minha avó é senhora de não ser senhora de coisa nenhuma, a começar por ela própria; o pejo em incomodar os outros consigo vai ao limite de ter ultrapassado a esperança média de vida sem saber que era alérgica ao glúten. A minha avó, que não telefona porque não quer incomodar, sem em quase 30 anos me ter incomodado por um segundo que fosse.
Assim passei a minha infância, sem sair daquelas três ruas paralelas, universo que incluía a minha escola primária; universo com fronteiras, porém. Num deles, passavam comboios; no outro, muitos carros. Um dia iam passando os Lancia do rali de Portugal. Nunca passaram, e lá fiquei eu pendurado na cartolina (Forza Lancia). Ao fundo da rua, um jardim com uma aranha enorme pendurada na estufa fria debaixo do coreto; no topo, os bombeiros e a sua ruidosa sirene, os carros convertidos a partir dos Berliet do exército. As laranjas abundavam nas árvores do quintal de onde caíam limões, uvas e abóboras que se davam a escalada. A bicicleta satisfazia-se em subir e descer as três ruas, sempre com cuidado para não ser abalroado pelos mecânicos que a testar os travões um dia mataram o Snoopy. Não era preciso mais nada. E se fosse, havia cem metros mais à frente um supermercado.