segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Dois

Sinceramente, não me parece que Mickey Rourke ou Randy The Ram Robinson (ou Mickey The Ram Rourke, como escreve Emmanuel Burdeau nos Cahiers du Cinéma de Fevereiro) sabiam lidar com a situação em que se encontravam. Vinte anos depois de terem conhecido o auge - um "derrotando" no ringue um anti-americaníssimo ayatollah, o outro desnudando Kim Basinger retirando-lhe o recheio do frigorífico - estão hoje, perdão, estavam ontem com as vidas e carreiras em decomposição ilustrada pelas cicatrizes das operações cirúrgicas, de natureza bem distinta, num e noutro caso. Mas os dois desencantam um filme muito competente pela mão de um cineasta com quem tive seríssimos problemas - Requiem for a dream, sobrevalorizadíssimo amontoado de clichés - mas que soube explorar, ainda que sem laivos de génio (Roma não se fez num dia) uma história que podia muito bem ter resvalado para a lamechice ou, dado o historial do senhor director, para um festim de amputação de membros. O que Aronofsky tão desesperadamente quis dizer da América em Requiem... e não conseguiu, consegue agora, ainda que não seja claro que o tenha desejado.
Num mundo de violência que oscila entre a simulação (no ringue, com os fãs mais novos) e a concretização (no clube de strip, no supermercado), a cena mais violenta do filme, na minha opinião, passa-se numa inócua sessão de autógrafos. O que ali se passa e a reacção de Ram ao que o rodeia leva a imaginar um Rourke experimentando uma espécie de epifania daquilo que podia muito bem ter sido o seu futuro como actor caído em desgraça e pugilista demasiado velho para ser levado a sério pelos seus pares.
Há que assumir, contudo, que seja presunçoso supor que se conhece a vida de Mickey Rourke pelos media; ao fim ao cabo, ele pode até ter gostado que lhe partissem a cara - e o homem até deve ter dado mais do que levou, visto o seu record. Com este paleio todo, quem acaba a ter epifanias sou eu: enquanto escrevia isto lembrava-me do diálogo entre Marsellus Wallace (Ving Rhames) e Butch Coolidge (Bruce Willis) em Pulp Fiction.

Marsellus Wallace
(...)
Thing is Butch, right now you got ability.
But painful as it may be, ability don't last.
And your days are just about over.
Now that's a hard motherfuckin' fact of life, but it's a fact of life your
ass is gonna have to get realistic about.
This business is filled to the brim with unrealistic motherfuckers;
motherfuckers who thought their ass aged like wine.
If you mean it turns to vinegar, it does. If you mean it gets better with age, it don't.
Besides, Butch, how many fights you think you got in you anyway?
Two?
Boxeurs don't have an old timer's day.
You came close, but you never made it.
And if you were gonna make it, you would have made it before that.


E não é que Rourke recusou o papel entregue a Bruce Willis? Vá-se lá saber porquê. Mas na volta é tudo treta, e isto não passa de paleio barato à moda da Wikipédia e das trivialidades do IMDB. A verdade é que esperava tudo menos acabar a escrever sobre epifanias depois de um filme de Darren Aronofsky. Só me ocorre um responsável. Como Sean Penn disse no Domingo passado:

I'm very, very proud to live in (...) a country who for all its toughness creates (...) courageous artists who despite a sensitivity that sometimes has brought enourmous challenge, Mickey Rourke rises again, and he is my brother.

The Wrestler. Darren Aronofsky, 2008.